segunda-feira, 30 de agosto de 2010

a viagem

ao estado solitário,
um brinde seco
de quem sente que a viagem nos deixa sós.

tudo está tão cheio de amor!
quando meus olhos tremem fechados e meus pêlos arrepiam
é tanto céu quanto terra.
é a viagem que nos deixa sós.

a arte que respira e as vidas cruzadas
e os carpe diem-s regentes
e a inspiração
confortam a viagem que nos deixou sós.

não cabe gritar ao desapego que apareça
ainda que apareça
não carece gritar.
a viagem nos traz sós atrás do que não cabe mais.

canto o transporte imenso dos sentidos
na maior correspondência de almas:
a do sol e da lua.

eu te amo.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sol

era uma vez uma nota. seu nome era Sol, filha de Dó e Fá. quando criança, Sol conhecera muitas notas parecidas com ela, mas nenhuma era igual. Sol tinha um timbre único. por alguns dias, soava-feliz, em outros, era a mais triste de todas as notas. Sol adorava voar pelos parques da cidade, onde havia muitos pássaros que podiam cantá-la com alegria.
num belo dia, Sol meditava à beira de um lago, à sombra de uma árvore lindíssima, quando um bem-te-vi se aproximou, trazendo o mais belo som que Sol havia ouvido até então. Sol chorou de alegria:
- céus! que som belíssimo é esse?! - perguntou ao nada.
Sol chorava e ria sem parar:
- céus...!
- soa comigo, Sol, vamos! soa, Sol! és a mais bela de todas as notas, soa comigo! - disse a nota, sorrindo.
então as duas soaram juntas e voaram juntas.
soaram juntas e voaram juntas por muito tempo, permitindo ao mundo ouvir o som mais encantador de todos os tempos.
um dia, notaram que deveriam se separar. era preciso ouvir o silêncio. e talvez outras notas, combinadas de outra maneira. deveriam entender que não seria possível soar para sempre. antes de se separar de sua nota-gêmea, Sol, que chorava muito, perguntou:
- será que algum dia poderemos soar juntas novamente?
- voa em outros ares, Sol. há tanto pra soar no mundo. há tanto som que precisa de ti...! não te prende a mim.
- jamais conseguirei soar tão bem como com você.
- eu te amo, Sol.
- eu também te amo muito!
- adeus!
- adeus...
então voaram para lados opostos. já de longe, Sol perguntou:
- me diz seu nome?
- eu te amo, Sol! eu te amo! ... meu nome é Sol.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

zoombie

tais devaneios,
acho crus.
vejo um traço só,
impulso.
vejo ânsia de cores que assustam.
não busca.

enjoy the silence porque é o que tem.
melhor enjoy seu silence, quando assim lhe convier.
não?

domingo, 15 de agosto de 2010

she's so heavy

considere os planos. ah, vá, considere os sonhos! considere toda a antecedência. considere o esforço. considere o talento. considere a boa casa. considere sua limpeza. considere as contas pagas. considere os bons cedês. considere o bom filme. considere o corpo. considere o jantar romântico. considere o sexo à luz da lua. considere o bom sono. considere o bom chefe. considere a família. considere os amigos leais. considere os livros. considere as viagens. considere os bons cursos. considere os dias bonitos. considere os resultados. considere o crescimento. considere-amadurecer. considere. considere.considereconsidereconsidere
!
só há uma coisa mais pesada do que não ver mais sentido: auto-piedade.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

coisa de filosofia sem preço

outro dia a tentativa-de-discussão do professor foi sobre a coisa. o que é uma coisa? e por que você a reconhece como coisa? essas coisas... um monólogo cheio de perguntas só não mais intrigantes do que suas respostas. foi suado. isso, de saber uns porquês que parecem meio à toa. foi pura filosofia. mas a filosofia de fato, como nasceu, como explicou o outro professor no outro dia: filosofia como pensamento direcionado. que história é essa de achar de filosofar é ficar pensando na vida, assim, sem muita razão senão pensar mesmo? pensar na vida, a gente pensa sempre. no ônibus, na fila-de-alguma-coisa, no mercado. mas é pensamento sem linha do tempo. evapora quando a caixa chama o próximo e fica por isso mesmo. filosofia é justamente sentar e pensar mesmo. com todos os pré-requisitos e argumentos possíveis, em todos os pontos de vista, todos os questionamentos e nem todas as respostas. clichezando, assim, em tom leigo maior, não parece grande coisa, mas descobri que é, sim. falando da coisa, descobri uma ideia que leva a todas elas. o esqueminha em caneta azul por cima dos pentagramas da lousa não vai sair nunca mais da minha cabeça.
do meu lado esquerdo (que ironia!) está o padrão (pattern), que diz respeito a um conceito. do meu lado direito, a matéria (mater), que diz respeito a um objeto.
pois é.
papai e mamãe se unem e têm o filho mais controverso da história:
a coisa.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

será que sara?

foi dito no rodapé que todas as mulheres deveriam se dirigir ao palácio do governo sem sapatos ou meias ou luvas ou gorros. apenas um avental florido deveria cobri-las. os redatores da concorrência não hesitaram em ignorar, ou simplesmente desaperceber inocentemente, como crianças em peça de teatro que se surpreendem de fato com os elementos-surpresa que entram por trás da plateia, a ironia suicida que ali nascia e ali morria, ao engarrafar as letras DEMO em cracia, seguidas pelo mais polêmico ponto de interrogação dos últimos anos.

o encontro se daria às duas da tarde do mesmo domingo em que se lia a bomba. todos deveriam almoçar suas carnes e arrozes e feijões requentados ansiosamente. e ir.

os aventais floridos sumiram das lojas. os orgulhos dos maridos enfiaram a cabeça no buraco do ralo do banheirinho. as bundas de todas as mulheres de todos os lugares reuniram-se, nuas, no mesmo lugar. os rostos abatidos envermelharam-se todos, sérios, lacrimejados. o governo, assustado, após alguns minutos de ruídos desesperados em telefone-sem-fio, mandou todos para casa imediatamente. o jornal, em poucas horas, calou-se para sempre.

finalmente, a primeira notícia do dia, no jornal das seis da manhã, na voz feminina da mulher bem-vestida de cabelos curtos:
"a semana que se segue será a mais agitada de todas: faltam apenas 9 dias para o natal!"

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

maturidade

é tendência dos que já escreveram bíblias e sinfonias maiores e menores
cordas, sopros, percussão até não caber mais nada.
dos que improvisaram sem pausa
suas escaletas sem cor.

:
menos.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

baião de dois

quando te pedem pra tocar qualquer-coisa ao piano e você não sabe tocar nem qualquer-coisa, o piano sai das mãos e vai pras costas.
bate uma coisa dentro, doida.
você fica longe de si, fitando a olhos duros aquelas mãos mais duras ainda.
aí você expulsa a lágrima intrusa com uma pausa bruta. deixe de manha!
sem ar. sem nada.

não mais.

as coisas mudaram por aqui.