terça-feira, 27 de abril de 2010

uma difi(a)culdade

vez e outra brota aquele ponto de interrogação no meio do compasso. sem falar bonito, é claro... ele berra! como um crianção recém-nascido bem gordo.
escolhemos entrar na academia. não sei se com o receio de cansar as mãos em partituras-sem-fim, ou se com a ilusão certeira de que tocaríamos zeca baleiro ao violão o dia todo - pausa, só pra cerveja. ou se tudo isso junto. ou o contrário. bom. nem um nem outro. (obrigada, caetano)
por muitos dias, guitarras desreguladas ensaiando sambinhas, amadores solfejando lálálás horrendos e muito, muito divertidos. por outros, análises de partituras na biblioteca - que, em bem pouco tempo, viram análises de relógio, de bibliotecárias, de uma moça que acabou de entrar com uma saia rosa-choque. um dia de cabulamento (licença poética) oficial. praia e bicho-de-pé. um dia de sol e lua conduzindo vozes. e uma coisa intercala a outra, e aos poucos a gente se acha e se perde e se acha de novo. caminha ou pára de vez. aquele bebê gordo continua berrando (ele nunca pára). me sinto bem por poder dar a ele o que comer e não ouvir mais nada. claro... se parar de alimentá-lo, abre o berreiro de novo. e não adianta colocar pra dormir. se dormir, morre de vez. e se morrer... barra dupla.

domingo, 25 de abril de 2010

a despedida

seis em ponto da manhã. terminal rodoviário de bagunça e calor. pão de queijo café fumaça perfume barato sol nascente. vestido encardido de flores-sem-cor. braços magrelos, uma mala pesada em cada mão calejada. e não consigo mais descrever precisoparar! o ônibuschegouumabraçodeolhosabertoseumaceno.
e acabou.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

(contra)ponto - ensaio sobre a quinta espécie

a liberdade. e o limite.
aprendi o momento em que tudo é possível, desde que o aprendizado anterior seja mantido. o tempo corre como deseja. o desejo incide como o vento. não se sabe muito bem a hora de prosseguir, de parar, de bloquear, de deixar fluir. simplesmente acontece. aprendi que o efêmero existe. você pode tocá-lo. mas nunca (nunca!) sozinho. ao lado dele, literalmente unido, há outro efêmero. tão efêmero quanto você. tão fraco quanto seu espelho. e não há possibilidade alguma de que esse casamento ocorra em hora errada. é preciso (necessário e exato). não é possível exagerar. tal excesso não soa bem. a cada compasso, um casamento (se lhe soar imprescindível, apenas). se for de sua vontade, prossiga sem união. queira apenas uma. no auge. no fim, que tal? mas jamais (jamais!) conseguirá a mais plena (mesmo que efêmera) união se partir de algo muito distante dela. é preciso seguir devagar. passo a passo. sentir seu cheiro. refletir a seu respeito, para que, com muita segurança, a abrace levemente, sentindo seu pulso fraco, sua presença, até sentir seu fim, enfim. aprendi a prolongar o desagradável. por muito, muito tempo, sentindo cada pontada desta dor, até doer tanto, mas tanto...! que só um desmaio em travesseiro-de-plumas-de-ganso é capaz de curá-la.
aprendi que entre as felicidades podemos viver o desconhecido. o estranho e misterioso silêncio que soa ali, nos contra-auges.
não é possível parar pra sempre. algo deve ser feito antes que o tempo mude tanto que não haja mais saída.
aprendi o eterno retorno. a instância seguida da loucura... novamente, a instância (notando que esta loucura está muito próxima da tão buscada sanidade). aprendi que você pode parar, desde que saiba que tem que voltar... com estilo!
aprendi que tudo é possível, enfim. e que o limite da liberdade é ela mesma.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

e é bom dar um tempo.
de falar ou ler ou comer ou dormir ou o contrário disso tudo.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

estava com uma roupa toda vermelha. vestido vermelho. sapatos (com salto!) vermelhos. unhas vermelho-sangue. bolsa vermelha. até batom vermelho eu usava. era algo como um lançamento de livro, ou qualquer evento meio cult parecido com isso. as pessoas falavam muito, muito. muito alto, ao mesmo tempo, muitos assuntos. eu tentava focar em um deles, mas alguém do outro lado gargalhava mais alto ainda. eu tentava ouvir pra tentar rir também, mas a piada já tinha passado. sobrava o silêncio - a clássica falta de assunto depois-de-rir. havia um casal alemão. só ouvia erres e erres. um grupo de estudantes de algum lugar dos estados unidos. era gente demais. a falta de foco estava me dando tontura. procurei um lugar pra sentar. foi um banquinho azul solitário. mal conseguia segurar a bebida que tinham me dado. estava mesmo muito tonta. não conseguia ouvir mais nada. só um zumbido dentro de mim, bem no fundo. respirei um pouco ali mesmo.
uma mulher andava em minha direção. tinha um rosto de traços muito bem definidos. os olhos um pouco puxados e negros. seu nariz era levemente pontudo e sua boca era simplesmente incrível. estava descalça e vestia uma camisola cor-de-pele quase curta demais. tinha seios marcantes e pernas-de-mulher. meu deus! nunca havia visto pernas como aquelas! ela segurava uma bebida igual à minha. abaixou-se perto do banquinho azul solitário e apoiou sua mão esquerda sobre o meu joelho esquerdo, fitando meus olhos tontos sem desviar um segundo.
- está melhor? - ela perguntou.
- sim. tive sorte em achar esse banquinho azul solitário. - respondi.
- você é uma pessoa de muita sorte! - ela disse, abrindo um sorriso indescritivelmente maravilhoso.
- acho que sim.
ela olhou para o meu corpo inteiro, muito devagar e sorrindo.
- eu realmente não imaginava você com uma roupa dessas, sabia?
- não sei como vim parar aqui.
- quer ir embora?
- na verdade, não.
- talvez seja melhor.
- é. eu sei que seria melhor mesmo. mas não entendo muito bem o porquê.
- beba.
tomei toda a bebida que estava segurando. estava quente e com muito pouco gás. foi péssimo.
fitei os olhos negros por alguns instantes. a tontura havia passado. levantei-me do banquinho azul solitário. ela se pôs de pé também.
- tchau!
- tchau!
no abraçamos por muito tempo. não havia nada na minha cabeça naquele momento.
fui em direção à porta de saída. saí. a noite era quente.
andei um pouco naqueles saltos vermelhos e desmaiei.
foi quando acordei.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

minha cara,

sabia que voltaria a lhe escrever. eu sempre soube.

às dez da manhã de hoje, lá andava eu, na paulista de céu azul de outono de ternos suados (já!) de marmitas socadas de hippies sonados de madames tingidas de empresários cassados de mendigos caçantes. cesariana a 6 graus celsius - paulista de sangue há vinte anos.
minha cabeça não parecia minha. pulsava a cada buzina. as pernas cansadas de tantas campinas, cadê o cume? caos. e tantos outros cês que ainda não se çabe bem os porquês.

é só isso que eu queria dizer.

choro e rio
(sem hierarquia)
sem máscara.

um cara-a-cara inenarrável, minha cara.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

a little more blue than then

já que não é possível dizer "saudade" em inglês, o próprio tom a transviou para a língua de lá - para que jazzistas encantados sentissem o gostinho da bossa-nossa um pouco (mas só um pouco) mais de perto. o que era pra chegar-de-saudade virou no more blues. e o que era negócio de você viver sem mim virou casa construída com mulher pra morar. e o que era molejo dançou assim, durango, em síncopas com alma tercinada. tudo bem. soou doce em doces e rosas vozes. gostei. também gosto do nosso jeitinho-metido-a-sambista torcendo erres de new orleans, enloirando os morenos e acentuados tempos fortes daqui, catando milho por milho do negro e impensado improviso de lá. gosto, sim. de cá e de lá, com corpo delgado com ou sem cor do pecado. o que vale é o que soa e o que deixa de soar.

vale o blues de todo canto.
canto.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

que horas são?

embriago-me
de sons, de tempos, de escritos, de lidos, de ouvidos, de sonos, de tédios, de nervos, de ânsias, de medos, de certos, de quases, de nadas, de dores, de porquês, de nãos, de sabores, de sonhos, de mãos-vazias, de mil-lágrimas, de olhos-fechados, de sorrisos, de quereres, de cores, de opacos, de cinzas, de passados, de vontades, de egos, de alter-egos, de unhas-roídas, de fomes, de gulas, de espelhos, de rotinas, de horários, de trilhas, de ensaios, de outros, de esperas, de nuvens, de fins, de tal-vezes, de mins-em-fim.

embriago-me sem parar.
não há ressaca. há a embriaguez do silêncio. doses homéricas de silêncio sem gelo.
inspiro .